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Atualidades XXIX (2018) – Riscos à privacidade nas redes sociais e possíveis manipulações em eleições

 (texto 1, excerto 1 – Revista Veja, 28 de março de 2018)

Algo de podre no Facebook 

Em uma trama que envolve poder, tecnologia e uso indevido de dados privados, uma empresa de marketing eleitoral escancara novos riscos para a democracia

Mark Zuckerberg está preocupado com as eleições no Brasil. E uma das razões para essa inquietude é que o fundador, CEO e maior acionista do Facebook está perdendo dinheiro, muito dinheiro. “Haverá uma grande eleição no Brasil, além de outras votações ao redor do mundo, e você pode apostar que estamos realmente empenhados em fazer tudo o que for necessário para garantir a integridade dessas eleições no Facebook”, disse Zuckerberg em entrevista ao canal CNN na quarta-feira 21. Que mundo é esse em que um empresário americano se vê obrigado a vir a público para prometer a lisura do rito democrático em outros países e ainda se sai com uma expressão (“eleições no Facebook”) constatando que a disputa eleitoral se dará no âmbito do negócio que ele criou? Pois esse é um mundo em que empresas de marketing político sabem mais sobre os gostos, os medos, os preconceitos, as opiniões, as vulnerabilidades, as inclinações e os hábitos dos eleitores do que os próprios eleitores. É um mundo em que o simples ato de curtir a postagem de um amigo pode dar munição a estrategistas empenhados em incentivar a polarização e a intolerância para fins eleitorais. É um mundo em que plataformas on-line criadas para unir as pessoas tornam-se ferramentas que, em última análise, ameaçam a democracia.

Eis como começou a preocupação de Zuckerberg. No fim de semana dos dias 17 e 18 de março, o jornal americano The New York Times e os ingleses The Guardian e Observer revelaram que os dados pessoais e detalhes sobre atividades on-line de 50 milhões de perfis do Facebook foram coletados e utilizados para fins eleitorais, sem que os usuários tivessem dado autorização para tal. As informações foram obtidas entre junho e agosto de 2014 por meio de um aplicativo desenvolvido por Aleksandr Kogan, um psicólogo da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e inspirado nas pesquisas de outro estudioso da mesma instituição, Michal Kosinski. O Facebook consentiu que o aplicativo fizesse a coleta de dados em sua plataforma para fins acadêmicos. Kogan, porém, não se limitou aos estudos: vendeu os dados à Cambridge Analytica, uma empresa que tinha em seus quadros Steve Bannon, o ex-estrategista amalucado da campanha presidencial de Donald Trump e que recebera um investimento de 15 milhões de dólares de Robert Mercer, um bilionário conhecido por financiar o movimento conservador da direita alternativa (alt-right, em inglês) nos EUA.

As informações colhidas no Facebook foram cruzadas com registros de eleitores e usadas para produzir peças de propaganda on-line pela equipe do senador Ted Cruz, pré-candidato nas primárias republicanas para a Presidência, em 2015, e, no ano seguinte, pela campanha vitoriosa de Trump. A julgar pelo tipo de conteúdo que circulou massivamente nas redes sociais no ano eleitoral, acredita-se que os dados pessoais

vendidos por Kogan à Cambridge Analytica serviram para divulgar abertamente informações tendenciosas e notícias a milhões de cadastrados no Facebook. Serviram, portanto, para soterrar a rede com lixo político.

[…] Mas as revelações não pararam por aí. O programador canadense Christopher Wylie, ex-funcionário da Cambridge Analytica, disse aos jornalistas americanos e ingleses que o Facebook descobrira já em 2015 que Kogan havia repassado ilegalmente os dados dos perfis on-line para uso eleitoral. Os advogados do Facebook exigiram, então, que Kogan e a Cambridge Analytica se comprometessem por escrito a destruir os dados. Nada além disso. O Facebook não se deu ao trabalho de fazer uma vistoria técnica — algo previsto nos termos que os desenvolvedores aceitam ao incluir seus aplicativos na rede social — para se assegurar de que as informações haviam sido realmente apagadas. Mas o mais grave é que em nenhum momento o Facebook avisou seus milhões de usuários de que seus dados tinham sido desviados indevidamente para fins eleitorais. Mais: apesar de, em 2015, ter reduzido a quantidade de informações que os aplicativos são capazes de coletar de seus usuários, o Facebook só baniu a Cambridge Analytica de sua plataforma recentemente, depois que ficou sabendo da disposição de Wylie de denunciar o caso publicamente.

 

Questões 1

Sobre os atuais escândalos envolvendo o Facebook, assinale a alternativa correta.

a) Têm a ver com denúncias de tentativas de manipulação nas eleições brasileiras deste ano.

b) Não ameaçam a privacidade no resto do mundo, uma vez que o Facebook é uma empresa dos Estados Unidos e os dados de seus usuários são acessíveis apenas às empresas daquele país.

c) Tais escândalos envolvem a coleta de dados privados de usuários realizada por uma empresa de marketing cujo objetivo era vender informações a uma universidade norte-americana.

d) Dizem respeito à coleta de dados originalmente realizada para fins acadêmicos. No entanto, depois, as informações coletadas foram vendidas para uma empresa de marketing norte-americana e provavelmente influenciaram o resultado das eleições nos Estados Unidos.

e) Os dados pessoais dos usuários da rede social foram coletados sem o consentimento de Mark Zuckerberg. Além disso, os executivos do Facebook tomaram todas as providências cabíveis para evitar que as informações reunidas fossem usadas por terceiros e influenciassem as escolhas eleitorais dos usuários da rede.

 

(texto 1, excerto 2 – Revista Veja, 28 de março de 2018)

[…]

Os efeitos [das revelações] foram quase imediatos. Ao longo da semana, as ações do Facebook derreteram-se em 50 bilhões de dólares, o equivalente ao valor de mercado da General Motors ou a duas vezes o PIB anual do Paraguai. Zuckerberg perdeu, individualmente, 6 bilhões de dólares em dois dias. A agência reguladora de comércio dos Estados Unidos abriu uma investigação sobre a empresa. Em Londres, o Parlamento ameaçou convocar Zuckerberg a prestar esclarecimentos. […]

No meio digital, há uma regra informal que dita os negócios: “Se você não pagou por um produto, você é o produto”. Segundo um estudo da Universidade Stanford, apenas 3% das pessoas leem os termos de serviço de um site antes de utilizá-lo. No Facebook, está escrito: “Quando você usa um aplicativo, ele pode solicitar sua permissão para acessar seu conteúdo e informações, bem como conteúdo e informações que outras pessoas compartilharam com você”. Esses dados podem ser empregados para fins comerciais, acadêmicos ou em pesquisas. É com base nas atividades e interações dos usuários na rede social que o Facebook consegue personalizar os anúncios pagos e com isso garantir os quase 13 bilhões de dólares de faturamento que obteve no último trimestre de 2017. E, por isso, tem capacidade para oferecer aos usuários uma plataforma gratuita, pois sua receita vem de outra fonte.

É espantoso o que se consegue descobrir sobre uma pessoa simplesmente analisando o seu comportamento na rede social. A pesquisa feita em 2007 por Michal Kosinski e pelo estudante David Stillwell, a mesma que serviu de inspiração para Kogan, dividiu os usuários do Facebook segundo cinco traços psicológicos (abertura, conscientização, extroversão, estabilidade emocional e agradabilidade). Com base nos resultados e nos modelos estatísticos, eles descobriram, por exemplo, que pessoas que curtiam a página “Eu odeio Israel” tinham uma tendência maior a gostar de chocolate KitKat ou de tênis Nike. Esse tipo de informação aparentemente singela e desconexa vale ouro na mão de alguém disposto a direcionar o debate político por meio da manipulação das emoções e das vulnerabilidades psicológicas dos eleitores. Essa era a matéria-prima da estratégia on-line da Cambridge Analytica.

Os algoritmos* da empresa calculavam qual mensagem seria mais adequada para convencer cada eleitor a mudar o voto — ou a instigá-lo a sair de casa para votar, algo essencial em um país onde a participação no pleito é facultativa — e com que frequência ela deveria aparecer. A metodologia subverte o processo político tradicional, em que um candidato expõe as ideias e os eleitores precisam se posicionar sobre elas. “O que a Cambridge Analytica fez foi direcionar o voto usando dados culturais, como os padrões de consumo, a religião, o time de futebol, as preferências culinárias. É totalmente antiético”, diz o sociólogo Marco Ruediger, diretor de análise de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.

Com as redes sociais, as campanhas tornaram-se uma exploração desavergonhada e individualizada dos sentimentos dos eleitores, através de abordagens subliminares. Como consequência, as chances de um entendimento entre as diversas partes diminuem e a polarização aumenta. […] O que empresas como a Cambridge Analytica fazem é manipular e intensificar esse fenômeno, matando o debate político.

Uma atuação tão invasiva como a da Cambridge Analytica nos Estados Unidos teria chances escassas de acontecer no Brasil nas eleições deste ano por uma razão técnica.

Como o Facebook dificultou em 2015 o acesso dos desenvolvedores aos dados sobre o comportamento dos usuários, é praticamente impossível reunir uma gama de informações no universo brasileiro tão ampla quanto a coletada por Kogan nos EUA. Além disso, a venda de banco de dados no Brasil é mais restrita que nos EUA. “Até onde eu sei, ninguém aqui tem uma base de dados com perfis psicológicos como a Cambridge Analytica obteve. Não há mais como obter algo assim”, diz Rodrigo Helcer, presidente da Stilingue, empresa brasileira que faz monitoramento da internet com o uso de inteligência artificial. “Apesar disso, temos outros problemas, como a disseminação de fake news e o uso de robôs para ajudar a espalhar esse material enganoso”, diz Helcer.

[…] O desafio [agora] é encontrar um equilíbrio entre privacidade e liberdade, evitando que ambas sejam dilaceradas.

*Para saber o que são algoritmos, veja a atividade VIII publicada neste ano sob o título “TECNOMUNDO – A Influência das Novas Tecnologias em Nossa Vida Cotidiana”.

 

Questão 2

Da análise atenta do excerto acima (excerto 2, texto 1), NÃO se pode afirmar.

a) Devido às ações do Facebook a partir de 2015 – reduzindo a quantidade de informações que os aplicativos podem coletar -, uma manipulação como a que ocorreu nos Estados Unidos é difícil acontecer nas eleições do Brasil neste ano.

b) A frase “Se você não pagou por um produto, você é o produto” tem a ver com o fato de que, na utilização de um site gratuito, as pessoas correm o risco de ter seus dados pessoais violados para uso comercial, acadêmico ou em pesquisas.

c) A manipulação de dados pessoais em uma eleição aumenta a polarização, diminui o entendimento entre as partes, desestimula o debate e pode influenciar as escolhas dos eleitores que agem mais por emoção do que por reflexão.

d) O cruzamento de informações aparentemente desconexas por meio de algoritmos pode ser utilizado por empresas que tentam influenciar escolhas pessoais em eleições e também no consumo de produtos e serviços.

e) A Cambridge Analytica, empresa que influenciou o resultado das eleições nos Estados Unidos, foi pioneira na manipulação de dados privados de usuários de redes sociais, abrindo espaço para que outras empresas de marketing passassem a atuar no Facebook por meio de aplicativos que devassam a privacidade de pessoas comuns.

 

(Texto 2 – le monde diplomatique, maio de 2018)

Tudo ia bem. Já não vai mais 

O domínio e a manipulação das informações pessoais levavam ao poder uma personalidade educada, distinta, progressista e liberal. Quatro anos depois, Hillary Clinton entrou em campanha…

Em 2008, um jovem candidato à primária democrata e depois à eleição presidencial norte-americana alimentava o entusiasmo dos comentaristas pelo método inovador utilizado em sua campanha: coletar os dados pessoais dos cidadãos que poderiam votar nele. E ele foi tão bem-sucedido que, segundo a jornalista Sasha Issenberg, a equipe de Barack Obama “sabia o nome de cada um dos 69.456.897 cidadãos norte-americanos cujas cédulas o haviam levado à Casa Branca”. Quatro anos depois, essa coleta se tornou ainda mais empolgante, com “protocolos de ‘compartilhamento direcionado’ capazes de vasculhar a rede Facebook em busca de amigos que a equipe de campanha gostaria de recrutar, mobilizar ou convencer”. Tudo ia bem. Sem respeito excessivo pela privacidade, estatísticos e especialistas democratas colhiam traços de comportamentos individuais on-line, reviravam as redes sociais e reuniam hábitos de consumo para construir um banco de dados gigante. Para quê? “Definir os eleitores mais dispostos a serem convencidos” e depois bombardeá-los com “mensagens sob medida”.

Converter dados pessoais em persuasão clandestina: esse princípio elementar da publicidade on-line passaria a partir de então a ser aplicado às disputas eleitorais. A imprensa celebrou essa conquista. “Big Data salvará a política”, proclamava a capa da MIT Technology Review (jan.-fev. 2013), cujo sumário anunciava: “Bono [cantor do grupo U2]: ‘Dados podem combater a pobreza e a corrupção’”, “Sasha Issenberg: ‘Dados tornam as eleições mais inteligentes’” e “Joe Trippi: ‘Dados dão alma à política’”. Tudo ia bem: o domínio e a manipulação das informações pessoais levavam ao poder uma personalidade educada, distinta, progressista e liberal.

Quatro anos depois, Hillary Clinton entrou em campanha. Em 2016, “suas centenas de especialistas em dados trabalhavam em estreita colaboração com o Facebook para tirar partido da rede de amigos de cada eleitor”, observava o Wall Street Journal. Temia-se que os usuários ficassem incomodados com a exploração política de seus dados? “Os consumidores parecem acostumados à segmentação da publicidade comercial”, explicava o jornal de negócios. “[Donald] Trump provavelmente não poderá contar com sua indignação contra o uso mais inteligente dos dados empreendido pelos democratas.” Tudo ia bem: “O candidato com os melhores dados será vencedor”.

Mas eis que em novembro de 2016 os barulhentos bonés “Make America Great Again”* substituíram os sutis algoritmos californianos. Desde então, tudo vai mal. Pouco dispostos a admitir a derrota contra um eleitorado e um candidato que desprezam, os defensores de Clinton imputam seu fracasso à intervenção de poderes maléficos no mesmo terreno que deveria levá-los à vitória: […] a Cambridge Analytica, que obteve e processou as informações pessoais dos usuários do Facebook em benefício de Trump. Que escândalo! Passando do status de “salvador da vida política” para o de “perigo para a democracia”, o capitalismo de vigilância impulsionado pela extração de dados revela sua mecânica.

Por muito tempo apresentadas como efeitos colaterais de um sistema virtuoso, a pilhagem de dados e a elaboração de perfis agora aparecem como o negócio de plataformas que oferecem seus serviços apenas para vender os dados de seus usuários aos anunciantes. Quanto à disseminação de “notícias falsas”, devemos culpar […] o algoritmo do Facebook, que, como um tabloide eletrônico, privilegia as

informações mais atraentes para chamar a atenção dos leitores, gerar compartilhamento e criar virais?

Preocupado em recuperar a reputação de sua empresa, o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, teve de guardar sua camiseta para responder, de terno, às interpelações dos parlamentares norte-americanos. Nada vai bem.

* “Make America Great Again” foi um dos slogans utilizados por Trump durante sua campanha em 2016.

 

Questão 3

Relacione as informações do texto acima (texto 2) com as do texto anterior (texto 1) e assinale a alternativa correta.

a) Podemos afirmar que a manipulação de dados pessoais para influenciar os resultados das eleições já era realizada antes da ascensão de Trump ao poder e provavelmente influenciou as vitórias do democrata Obama em 2008 e 2012.

b) Ambos os textos focam suas atenções apenas nas manipulações de dados que garantiram a vitória de Trump em 2016.

c) O texto 2 enfatiza a utilização de aplicativos cuja intenção comercial é evidente. O texto 1, por sua vez, não diz nada a respeito das estratégias de marketing que visam manipular sentimentos e gostos no intuito de vender mercadorias e/ou serviços.

d) Texto 1 e texto 2 tratam de assuntos distintos e não estabelecem nenhuma relação de identidade ou complementaridade entre si.

e) O texto 1 enfatiza o problema das fake news durante as eleições norte-americanas em 2008 e 2012. Já o texto 2 analisa em profundidade a manipulação de dados realizada pelos republicanos para garantir a vitória eleitoral em 2016.

 

Questão 4

Relacione os conteúdos das três charges abaixo e assinale a alternativa ERRADA.

(CHARGE 1)

 

(CHARGE 2)

 

(CHARGE 3)

 

a) Todas se referem ao problema da violação da privacidade de usuários da internet.

b) As charges 1 e 2 fazem uma crítica à violação de dados pessoais realizada pelo Facebook. Já a charge 3 vai além daquela rede social e trata também da falta de privacidade que atinge os usuários do Google.

c) As duas primeiras charges colocam em suspeição a política de privacidade adotada pelo Facebook nos últimos anos.

d) As charges 1 e 3 ressaltam a vulnerabilidade dos indivíduos que utilizam as tecnologias digitais. A charge 2, por sua vez, despreza tal vulnerabilidade e trata apenas dos interesses comerciais de empresas de marketing.

e) Não obstante o escândalo da violação da privacidade ter ganhado relevância em razão da manipulação de dados nas eleições norte-americanas de 2016, nenhuma das charges toca diretamente na questão da vitória de Trump.


Autor: Eduardo Gramani Hipolide

Neste blog, o Professor Eduardo traz à baila assuntos com alta probabilidade de cair nos ENEM, principais vestibulares e concursos públicos, sendo que, desde 2014, vem esmiuçando as tendências dos principais meios de notícia impressa para trazer, “de mão beijada” as questões de atualidades dos próximos certames, bem como possíveis temas de redação.

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